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O meu 11 de setembro de 2001

David Horsey , Washington , The Seattle Post-Intelligencer. http://cagle.msnbc.com/news/9-11remembered/main.asp

(Direto do Bar do Mauro e do Caverna, para o Marlon e para o Marcos).  O presente texto nasceu de uma conversa com dois amigos de rock, de copo e de cruz aqui de Belém, o Marlon e o Marcos. Conversávamos sobre o que fazíamos na manhã de 11 de setembro de 2001, e como esses acontecimentos mundiais acabavam se misturando à vida de gente comum, ordinary men como nós. Cada um se dispôs a contar um pouco de suas memórias sobre aquele dia. Aqui vão as minhas.

Ψ

O meu 11 de setembro não começou propriamente dia 11. Começou antes, no dia 10. Ou seja: tive o desprazer de passar por uma série de eventos bem ruins antes daquela manhã em que presenciamos a obra-prima de maldade de Osama Bin Laden et caterva.

Me lembro que começou com uma discussão final entre mim e uma antiga namorada. Ponto final no relacionamento – que, na verdade, já estava morto, faltava apenas o enterro. Como em todo final de relacionamento, presença de alívio, de um pouco de frustração, cansaço, alguma culpa pelo fato das coisas terem dado errado.

Me preparei para dormir, como de costume. Depois daquele estresse todo, eu só queria dormir. Também como de costume, liguei a televisão. Eram, creio, 23:30, quase meia-noite. TV Globo. Liguei bem no momento em que o plantão do jornal local de Campinas anunciava a morte de Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT, então prefeito de Campinas.

Minha reação imedita foi tomar um banho, pegar o carro e correr o mais rápido possível em direção ao Palácio dos Jequitibas. Cheguei à prefeitura, creio que 0:20. Um dos primeiros conhecidos que eu vi lá era o Américo, meu veterano do curso de História da UNICAMP, e que dirigia o museu da cidade de Campinas. O Américo era a imagem da consternação e do desespero: cabeça baixa, olhos inchados de tanto chorar. Encontrei outros conhecidos por lá, completamente perplexos, chocados.

A morte de um candidato em que se deposita a confiança, e que vinha fazendo uma excelente administração em Campinas, foi algo terrível. Pela primeira vez pude testemunhar a morte brutal de uma figura pública muito querida, algo que nunca mais desejo ver. E, ao menos para mim, a morte de uma figura pública, assassinada em circunstâncias que até hoje não estão claras, foi algo que, naquele momento, me  deu uma medida exata de como a força bruta vinha arrancar um pouco (ou o pouco) de esperança e de utopia que ainda podia existir. Foi um momento em que parecia se confirmar que a violência era a regra, e que competência, vontade de construir uma cidade melhor e a aposta em um corpo técnico bem formado, com um projeto de governo e de administração voltados para a a democratização da cultura e da transparência na gerência da política pública, eram exceções que deveriam ser barradas, de qualquer forma.

Pude ver, no hall  de entrada da prefeitura a cúpula do PT chegando para ver o que havia acontecido. Marta Suplicy, Eduardo Suplicy, Mercadante, Genoíno, várias figuras do PT de Campinas. A vice-prefeita da Campinas,  Izalene Tiene, estava lá também. Dava para ver como todos estavam atônitos e aflitos.

Fiquei lá na prefeitura o máximo que pude, tentando entender o que aconteceu e recolher informações. Mas tudo estava muito confuso, muito desencontrado. O clima, lógico, era o pior possível. Vi que era inútil ficar por lá, e que não havia mais nada a fazer além de esperar por notícias nos jornais do dia. Não havia mais porque ficar, nem tinha mais força para consolar quem não podia, naquele momento, ser consolado. Decidi retornar para Barão Geraldo, onde estava hospedado. Isso por volta das 5:30 da manhã.

Me deitei, exausto. Estava péssimo e não queria falar com ninguém. Decidi que não iria para lugar nenhum naquela manhã, e creio que nem coloquei o relógio para despertar. Apaguei.

Lembro do meu telefone celular  tocando pouco depois. Tocou uma vez, e não atendi. Tocou de novo.

Era o meu amigo Jair do outro lado da linha, ligando de São Paulo.

– Renatão, liga a tv.

– Jair, por favor! Cara, eu tive uma noite péssima. Terminei o meu namoro, o Toninho do PT foi assassinado e eu só consegui dormir depois das seis. Cara, tá foda, eu não tô legal…

– Renatão, liga a TV porque acabaram de explodir das torres gêmeas…

Liguei a TV e assisti o exato momento em que o segundo avião bateu na segunda torre do World Trade Center.

– Jair, eu te ligo depois.

Não liguei. Esqueci de tudo e fiquei em frente ao aparelho de TV o resto da manhã. Honestamente, me perguntei sobre o que havia terminado, ou que havia morrido depois daquele tipo estranho de bombardeio. Lembrava um ataque kamikaze, mas envolvendo gente que não tinha nehuma ligação com Al-Qaeda, fundamentalismos de qualquer tipo ou coisa que valesse. Pensei também que se o Bush Jr. precisasse de algum tipo de legitimidade, pronto, eis aí o que ele precisava. E que o Partido Republicano, a partir dali, teria carta branca para fazer o que quisesse, ficando cada vez mais à direita e, possivelmente, bem mais autoritário, com seus fascistinhas finalmente podendo colocar as manguinhas de fora.

Triste.

Nem me lembro o que eu fiz naquela tarde. Telefonemas, talvez. Mas me lembro bem de várias reações de pessoas conhecidas minhas na UNICAMP, quando fui lá no outro dia: alguns cantando loas ao acontecido, achando “bem feito” pros EUA, como se aquilo fosse uma briga de gangues de garotos, ou exultando em seu anti-americanismo que, creio, nem eles bem sabiam por que eram anti-americanos. Os mais idiotas falavam em alguma coisa como “Osama nas alturas”, e outras infâmias. Haviam também aqueles que entenderam a gravidade da situação – um novo jogo de identidades entre “ocidente” e “oriente”; um novo conservadorismo, agora afirmando os “valores ocidentais” e trazendo o que os EUA tinham de pior; a pá de cal final nas ideologias e utopias; como os escombros do WTC, também as representações políticas naquele momento, de alguma forma, foram também reduzidas à escombros. Paul Virillo tinha razão: “foi uma Hiroshima de outro tipo”.

Relembrando o que aconteceu, anos depois, percebo que aquelas explosões deixaram mais claras uma série de mudanças que já estavam em curso: a insustentabilidade de boa parte do discurso de esquerda, que insisitia em denunciar o “imperialismo americano”; um novo quadro de política internacional no qual os EUA eram a única grande superpotência, mas uma superpotência incapaz de “dominar o mundo”, nem mesmo de cumprir o papel de uma polícia mundial; que a direita havia mudado, e que o discurso “neocon” estave elegendo seus novos inimigos; e que esses inimigos, na verdade, já tinham sido gestados há muitos anos, durante a guerra fria. De alguma forma, aquilo eram os “filhotes” da guerra fria alcançando a sua maioridade.

One Comment

  1. Aqueles dias foram estranhos mesmo. Pessoas cantando “vitória” sobre os EUA; pessoas assustadas com uma nova possível guerra mundial; pessoas que não sabiam o que pensar; a morte do Toninho, que infelizmente ficou em segundo plano na cobertura jornalística devido aos aviões do WTC; o desespero de quem passava pelo local das torres naquela manhã; a impressão de que era mais uma filmagem de ação de Hollywood, e ninguém avisou as pessoas de que elas faziam parte do elenco.

    Uma marca na história mundial que vai ser impossível de ser esquecida.

    Vou procurar escrever a minha versão, depois te aviso.

    Abraços.

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