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Memória Migrante (II)

… que advêm de outra cidade. Agora texto desconhecido de cidade a decifrar. Itaituba – beira do Tapajós. Texto de andarilhagem oficial: o respeitável autor destas linhas em momento de viagem oficial todo técnico, todo professor – Oswald: “o lado doutor” – logo eu, que não sou doutor…

Viagem profissional à Itaituba. Viagem oficial para pesquisa de processo de tombamentos. Investigação da orla de Itaituba, visita à igreja, visita a prédios antigos desconhecidos. Espero ver prédios antigos: vejo ruínas. Arruinamento. Mas procuro menos pelos sinais de mortes dos prédios e sim pela passagem do tempo para entender o que este presente não é mais! É para isso que serve a História: para dizer como continuamente deixamos de ser alguma coisa e como precisamos nos reiventar, porque qualquer identidade é (re)invenção.

Dias de calor em Itaituba à margem do rio Tapajós, leituras e mais leituras, fotos e mais fotos, pensamento sobre a paisagem tentativa de apreender o lugar. Lugar: o que é que você me diz? Em que você, lugar, coincide com o que eu já vi, com o que você nunca coincide? Minha profissão: nunca adivinhar, mas perceber os sinais, entender os sinais.

Vista da cidade de Itaituba. Fonte: Wikipedia.

Cruzar leituras e cruzar informações enquanto cruzo tuas ruas tuas páginas tuas indicações dos sinais de teus tempos. A Itaituba antiga: orla e frente para o Tapajós. A cidade criada no século XIX. Duas ruas acima a cidade que começa a se modernizar: rua Hugo de Mendonça e a casa de força antiga. Usina mandada construir por Magalhães Barata, cidade deixando a iluminação à carbureto para ganhar a energia elétrica. Tornar-se elétrica. Ando e por onde ando vejo que a Amazônia se moderniza à base de luz elétrica, eletrificação das cidades nos anos 1930, quando o populismo finca raízes no interior. Não por acaso o populismo tem sua memória forte no interior da Amazônia: as capitais olham para si, se definem em relação ao interior e aí começam as oposições e os malditos binarismos: centro/periferia, capital/interior, atraso/progresso, urbano/rural… Uma capital é um nó maior em uma rede de cidades estradas rios ferrovias linguagens – Jesus, Buda, Alah, qualquer entidade que um dia tenha sido cultuada, me digam, o que é necessário para se entender que mundo é rede e vida é troca?

Depois Cidade Alta: quanto mais baixa cidade mais antiga. Quando mais alta cidade menos orla mais mudança. O que que te mudou, cidade? Trans-Amazônica, fluxos, fluxos fluxos de pessoas chegando a ti. E garimpos, muitos garimpos. Tuas memórias de ouro, balas, sangue, corpos, sexo e mercúrio ao longo do Tapajós Itaituba como polo. Água verde do Tapajós outrara verde-clara, depois barrenta de tantos garimpos nos anos 1980 e, hoje, verde turva. Essa cor se sustentará? Não se sabe até quando. Talvez não muito com a retomada da atividade dos garimpos ao longo do Tapajós desde depois de sua nascente até próximo de Itaituba. Talvez fique nesta cor depois que as usinas hidroelétricas inundarem os buracos deixados pelas centenas de perfuratrizes lavando varrendo tirando solo até cascalho enterrado leito onde dorme o ouro em seu sono, pura indiferença da natureza.

Retroescavadeira em ação no garimpo (Foto: Oldair Lamarque). Disponível em Amazônia Pública: www.apublica.org.)

Enquanto o ouro é despertado de seu sono atiçando sonhos e delírios de homens acordados, nesse despertar o solo é lavado atirando animais e sinais de outros homens tratados como se fossem (de) outrora: sinais arqueológicos indígenas lavados junto com o solo, levados junto com a lama que escapa para o rio. Tudo tão objetivamente…

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